Art. 383 do CPP: “emendatio libelli” e “reformatio in pejus”
Há “reformatio in pejus” no acórdão que, em julgamento de recurso exclusivo da defesa, reforma sentença condenatória para dar nova definição jurídica ao fato delituoso — “emendatio libelli” —, mantida a pena imposta, porém desclassificado o crime de furto qualificado (CP, 155, § 4º, II) para o crime de peculato (CP, art. 312, § 1º). Com base nesse entendimento, a 2ª Turma denegou “habeas corpus”, mas, por maioria, concedeu a ordem de ofício apenas para reenquadrar a condenação no art. 155, § 4º, II, do CP, conforme constara na sentença condenatória. O Colegiado, em preliminar, afastou alegação relativa à suposta prescrição da pretensão punitiva. No mérito, afirmou que, de acordo com a jurisprudência do STF, seria possível a realização da “emendatio libelli” (CPP: “Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave”) em 2º grau de jurisdição, mesmo nas hipóteses de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitados os limites estabelecidos pelo art. 617 do CPP (“O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença”). No caso, o tribunal de 2º grau, ao readequar a capitulação legal à narrativa apresentada — o fato descrito na acusação teria sido praticado por funcionário público equiparado (CP, art. 327, § 1º) —, mantivera a pena privativa de liberdade anteriormente aplicada, na tentativa de não gerar prejuízo ao sentenciado. Porém, ao se ponderar atentamente os efeitos da condenação e as circunstâncias referentes à “emendatio libelli” efetivada, seria inevitável concluir pela superveniência de vedada “reformatio in pejus”. Com efeito, não se poderia olvidar não ser a pena fixada o único efeito ou única circunstância a permear uma condenação. Haveria regra específica para os condenados pela prática de crime contra a Administração Pública, como o peculato: a progressão de regime do cumprimento da pena respectiva seria condicionada à reparação do dano causado ou à devolução do produto do ilícito praticado (CP, art. 33, § 4º). Na espécie, apesar de ter sido aplicado o regime inicial aberto ao paciente, não se poderia descartar que, durante a execução da reprimenda, este sofresse regressão de regime e fosse prejudicado pela “emendatio libelli”, aparentemente inofensiva. Vencida a Ministra Cármen Lúcia, que não concedia a ordem por entender não ter havido, na situação dos autos, a “reformatio in pejus”.
HC 123251/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.12.2014. (HC-123251)
Decisão publicada no Informativo 770 do STF - 2014
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